segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Sikkim, um lugar onde a terra acaba e o céu começa




No norte da Índia existe um pedaço de terra chamado Sikkim, um lugar onde a terra acaba e começa o céu, um lugar diferente de todos os lugares da Índia e do mundo. Gangtok a sua capital é um imenso povoado construído a partir do caos bem suportado pela cordilheira dos Himalaias. Um policia, pobremente vestido, protegido por luvas brancas que o cobriam da mão ao cotovelo aguenta serenamente o trânsito de pessoas e mercadorias sob uma roda de madeira entre quatro estradas estreitas, vertiginosas, labirínticas, que ligam o supé da cidade à bacia da montanha.
Todos os carros aqui no Sikkim têm medidas curtas: pequenos e estreitos. A rua principal da capital é pedonal. As lojas são todas parecidas em tamanho, pequenos quadrados de chocolate, e só os ingredientes alteram a cor. Mas como sabem o comércio, na Índia é farto de côr e de cheiros. Fomos o primeiro grupo de portugueses a «invadir» o Sikkim. Tivemos de pagar uma taxa sobre o luxo de viver uma semana nesta região do norte da Índia onde o ar é puríssimo e a terra virgem de maus tratos. E tivemos que pedir uma autorização especial para respirar o ar e partilhar do seu céu.
Foi no Sikkim que conheci um sapateiro cuja oficina ao ar livre ficava mesmo implantada na berma da estrada (os carros assobiavam para protegê-lo) apenas com um chapéu de sol para fustigar a luz intensa do seu amável cliente. A largura da oficina tinha o tamanho do seu corpo, um corpo ossudo, esguio, completamente repousado sobre pernas Yogui, mas o céu, esse, a altura da sua alma.
Foi também aqui no Sikkim que pela primeira vez convivi com autênticas comunidades budistas, comunidades de homens velhos, jovens e crianças, organizados segundo parcos recursos materiais, embora os seus Mosteiros estejam invariavelmente situados em geografias esteticamente indizíveis, mas com práticas que não deixam antever o glamoroso budismo do ocidente.
No Sikkim a ascese mística é toldada pela dura realidade da montanha. Às vezes dói muito para respirar. E o Mosteiro nunca fica perto. É bem lá no fundo da garganta do amor que a oração é dita repetindo à exaustão uma língua de sons agrestes. Não fossem os quadrados e os rectangulos de pano ao vento, cozidos uns aos outros, remoendo a ladainha da palavra, disseminando a ontologia da existência pelos lugares, aldeias e cidades e no Sikkim, respirar, era, de facto, o símbolo da trágica condição do humano.
Aqui no Sikkim gostei do movimento suave produzido por milhares de pessoas ao fim do dia batendo com os pés em passeios esburacados, gostei também, do silêncio da noite escura. O silêncio…o bem mais precioso da Índia.
Aqui no Sikkim gostei do cheiro a cardomomo que nós, os 25 portugueses, esgotámos no estreito comércio da rua pedonal.

©
Fotos e Texto - Ana Paula Lemos

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