terça-feira, 7 de outubro de 2008

Escrever

«Escreve-se para começar não se sabe o quê
talvez para abafar uma interrogação surda
ou a suspeita de que o poema não corresponde a nada
ou a certeza de que é inadmissivel
Mas as palavras surgem e ligam-se através dos intervalos brancos
para se reconhecerem e reconhecerem o mundo
e desenharem o rosto anónimo em que seremos o que não somos
E assim exercemos a liberdade de não ser nada
que é talvez a liberdade de uma inflexão
um pouco remota e vagarosamente vacilante
mas o que sentimos para além das cinzas e da cal
é a efémera matéria redonda que não sabemos se é invenção ou descoberta
e que talvez seja só a forma nua de umas palavras
que não pertencem a ninguém
e que se algo dizem é o olvido branco em que desaparecem».
António Ramos Rosa

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